Sobre flores e amores
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
  quinta parte
Depois do acontecido, Mariela não seria mais a mesma. A menina doce, de expressão infantil, agora tinha medo de qualquer barulho, seus olhos traduziam o medo que sentira no dia do assalto.
Seus companheiros de trabalho e faculdade percebiam claramente a mudança em seu comportamento, mas quando perguntavam o que havia acontecido, ela desconversava, falar no assunto lhe fazia mal.
- Que é que houve com você, menina? Cadê a coragem e a vontade de enfrentar a vida que você sempre demonstrou? – questionava Garcia.
- Pare com isso, continuo a mesma de antes... Acho que só estou meio cansada dessa monotonia que é a minha vida.
- Mas não era o que você queria para você? – perguntou Marcelo.
- Acho que era... Mas tinha outra imagem da cidade, quando vim para cá.
- Até seu tom de voz está desanimado, você não era assim até esses dias, mesmo! De umas duas semanas para cá foi que você ficou desse jeito meio cabisbaixo.
- Ora, Marcelo, é só impressão sua... Estou só um pouco cansada, tenho trabalhado aqui durante o dia, vou à faculdade à noite, e tenho passado madrugadas acordada, estudando, afinal não posso me descuidar logo em épocas de prova.
Mariela tentava encerrar o assunto, mas as pessoas não paravam de questionar sua mudança, como se mudar fosse algo errado. Estava cansada deles e de toda a bagunça daquela cidade.
Queria andar sem ser notada, sua vontade era se esconder de todos, em qualquer lugar que lhe trouxesse paz. Mas pensando bem, nada lhe traria paz, a não ser esquecer o que havia o corrido naquela noite.
Na manhã seguinte era feriado, o dia acordou lindo, o sol brilhava como nunca e as nuvens deviam ter percebido que não eram bem-vindas, pois não dava para ver nenhuma delas. Os pássaros cantavam belas melodias e a brisa balançava suavemente as folas das árvores. Na praça em frente à casa de Mariela havia um banco, e da janela a jovem via que nele estava sentada uma menina de uns oito anos que se parecia muito com ela própria, quando tinha aquela idade.
Começou a investigar os movimentos da criança. Ela segurava um saquinho de pipocas na mão esquerda, e com a direita escolhia primeiro as maiores para comer. A espaços curtos de tempo, jogava as pipocas menores para uns pombos que a rodeavam. Pareciam saber que ela os queria agradar.
Quando seu saco se esvaziou, levantou-se e o jogou no lixo que havia não muito longe do banco.
A menina observava os pássaros a sua volta, às vezes tentava pegar algum deles, mas todos se dispersavam.
Mariela lembrou-se da caça aos patos, sua brincadeira favorita quando tinha aquela idade.
Perecia estar revivendo os tempos no campo, era como se visse sua própria imagem projetada naquela praça.
Resolveu descer e ver a menina mais de perto.
Foi rápida na escadaria, por pouco não caiu. Mas segurou-se firme no corrimão, e continuou deslizando pelos degraus.
Ao pisar na calçada, reparou que a garotinha havia sumido. Olhou por todos os lados, procurando aquela imagem angelical que vira de sua janela, mas não a encontrara.

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
  quarta parte
Ao entrarem no apartamento, Mariela se encolheu em um canto do pequeno quarto, mal conseguia olhar em volta, não queria saber o que estava acontecendo.
Os assaltantes pegavam tudo o que conseguiam carregar.
Eles gritavam com a jovem, queriam assustá-la. Pareciam sentir prazer com o desespero dela.
- Vai logo, cara! Não está vendo que alguém vai acordar? – reclamava o mais alto deles.
- Se você ficar quieto e fizer sua parte, eu não preciso correr com tudo! Larga a menina chorando aí no canto, depois a gente vê o que faz com ela! – respondeu o outro.
- Olha, eu consigo pensar em muitas coisas para fazer com ela! – apenas seus olhos estavam de fora, e quando disse isso, pareciam pegar fogo.
- Calma aí, cara! A gente só veio pegar essas coisas! O combinado era não fazer mal a ninguém! – o assaltante se assustava com o brilho estranho nos olhos de seu comparsa.
- E quem te disse que eu farei mal a ela? Toda mulher adora o que eu faço. – havia uma malícia assustadora em seu tom de voz.
Mariela se assustava cada vez mais. Seu desejo era sumir dali. Sentia nojo das coisas que ouvia, queria ter forças para expulsar os intrusos de sua casa.
Ao pegarem tudo o que havia lá dentro, os bandidos foram em direção à porta.
O mais alto parou e olhou para a menina, encolhida como se quisesse se esconder. Chegou perto dela, se agachou e a segurou pelo braço. O outro tentou puxá-lo, mas foi inútil. Ele parecia aprisionado, não conseguia parar de encarar a menina. Empurrou o companheiro, que caiu no chão, derrubando um móvel que apoiava um abajur. A queda fez um barulho alto, que acabou acordando o vizinho do apartamento de baixo.
O assaltante levantou a jovem com força, machucando-a. Jogou-a na cama, e Mariela começou a gritar, desesperada.
O vizinho, que havia acordado, ouviu os gritos apavorados e chamou a polícia.
Em poucos minutos, enquanto o homem tirava a camisa, ouviu-se uma sirene. Ele continuava com a máscara, mas podia-se ver que a expressão em seus olhos mudara de uma malícia maldosa para pavor. Não era apenas um medo comum. Era muito mais. Parecia ser algo quase fora da realidade, um misto de medo e loucura.
Imediatamente parou com o que estava fazendo, vestiu a camisa e tentou sair pela escada de incêndio.
Como já era esperado, o prédio estava cercado.
Os bandidos conseguiram correr por algumas quadras, até que a polícia os cercou.
O homem louco sacou uma arma e puxou seu comparsa, segurando-o pelo pescoço, como se quisesse dar um golpe. Apontou o revólver na cabeça do outro.
- Se vocês tocarem em mim, eu atiro nele e depois me mato! – gritava o assaltante.
- Que é isso, cara? Somos companheiros, não faz isso, não! Pelo amor de Deus! – desesperava-se a nova vítima.
A polícia tentava negociar a vida do homem, diziam que não adiantaria nada tomar aquela atitude precipitada.
O bandido tremia incontrolavelmente e suava muito. Estava visivelmente em pânico.De seu apartamento, Mariela ouviu um estrondo.

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
  terceira parte
Passaram-se alguns meses desde que Mariela começara a trabalhar no restaurante.
Os dias passavam muito rapidamente, mal dava tempo de olhar para o relógio.
Às vezes sentia a sensação de que envelhecia sem perceber.
Fato é que as coisas já caminhavam de maneira diferente. A garota amadureceu, tornou-se adulta.
Era uma vida corrida aquela de trabalhar durante o dia e estudar à noite, mas valia à pena! A faculdade de Veterinária era tudo o que se podia esperar de melhor de um curso. Cuidar de animais, salvá-los e ver a felicidade no rosto das pessoas, era gratificante, Mariela tinha certeza. Mal podia esperar pela formatura, para que finalmente pudesse abrir sua clínica. O salário que recebia desde que entrara no restaurante vinha sendo poupado para a realização deste sonho.
Mas a cidade não era assim tão piedosa com as pessoas, nem mesmo com as boas.
Uma noite, voltando da faculdade, a menina já estava na porta de casa quando foi abordada por dois homens corpulentos, ambos com máscaras e armas.
- Sobe logo, bonitinha! Queremos ver o que tem aí para nós! Vai rápido! – apressava o assaltante.
- Calma, eu não tenho grandes coisas. Por favor, não me façam mal! – Mariela começou a chorar, reprimida pelas armas.
- Não queremos te fazer mal, a não ser que você não colabore!
- Podem subir, levem o que acharem!
A jovem não conseguia conter as lágrimas.
Subiram as escadas apressadamente, porém, fazendo o máximo de silêncio possível, afinal, não queriam acordar os demais moradores daquele edifício simples.

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terça-feira, 8 de dezembro de 2009
  segunda parte
A moça tinha traços grosseiros, mas a voz era de extrema delicadeza, assim como seus modos. Suas roupas cheiravam à comida da fazenda, o que fez Mariela se lembrar da mãe.
- Na verdade, estamos mesmo precisando de alguém para de ajudar – disse a moça, enquanto colocava algumas coisas na bandeja.
Mariela abriu um sorriso um pouco tímido e perguntou se teria uma chance.
- Por que não? – respondeu a garçonete – Espere só um minuto para que eu possa falar com o gerente.
Após alguns momentos, ela voltou e sorriu:
- A vaga é sua, menina! Mas quanta sorte, não é mesmo? Logo a primeira pessoa que passa aqui perguntando por emprego! Mas me diga, qual é mesmo seu nome?
- Me chamo Mariela – seu rosto não escondia a felicidade.
- Muito prazer, Mariela. Sou Solange e serei sua companheira de trabalho de agora em diante. Vista esse avental e me acompanhe.
Solange entregou um avental de fundo branco e minúsculas bolinhas vermelhas para Mariela, a qual o vestiu prontamente.
As duas foram até a cozinha, onde o aroma da comida servida no local era mais acentuado, fazendo a ruivinha se lembrar da infância com muito mais detalhes do que quando entrara no restaurante.
- Bom, este é o nosso cozinheiro chefe. Chama-se Paulo, mas para nós, é só Garcia.
- Pode chamar como preferir – interrompeu o cozinheiro, sorrindo para a nova colega de trabalho.
Mariela sorriu de volta, meio sem graça. Estava tímida diante das pessoas que não conhecia.
- E este é Marcelo, que ajuda o Garcia a agilizar tudo aqui na cozinha.
- Muito prazer! – Marcelo respondeu, sorrindo abertamente. Seus olhos verdes pareceram duas luzes acesas.
- Muito prazer. Sou Mariela. – sorriu de volta.
Os olhares se cruzaram, mas não foi assim tão simples. Ambos tinham a sensação de já terem se conhecido.
A garçonete pareceu reparar no que havia acontecido, mas fez-se de morta.
Poucos segundos depois, chegou uma garota de uns 19 ou 20 anos, meio atrapalhada com uns pedidos e uma bandeja nas mãos.
- Chegou quem faltava – brincou Solange – Esta é Verônica, garçonete como nós, um doce de criatura!
- Bondade dela – respondeu a menina – às vezes sou bem chata. Mas você se acostuma, prometo. – riu-se
- Muito prazer, me chamo Mariela. Espero poder ajudá-las aqui. – sorriu.
- Vai poder, posso te garantir! Você viu o movimento de hoje? Isso é pouco comparado aos outros dias. – respondeu Verônica.
- Bom, é só vocês me explicarem o que devo fazer, começo imediatamente.
As duas foram ensinar o serviço para Mariela, enquanto os rapazes conversavam na cozinha. Paulo comentava sobre a nova colega de trabalho:
- Me diz, Marcelão, gostou da menina? Seu sorriso mostrou isso quando a cumprimentou.- Cale a boca, Garcia, nem sequer a conheço. Vá cozinhar, vá. – respondeu, em tom de brincadeira.

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
  primeira parte
Quinta-feira chuvosa. Pela janela, via-se o clarão provocado pelos relâmpagos, e as portas tremiam com o estrondo de cada trovão.
Mariela acordou de madrugada, por causa do barulho. Estava assustada, decerto tivera um pesadelo. E já que estava de olhos bem abertos, começou a pensar na vida.
Lembrou de tempos em que vivia na fazenda, tinha seus 9 ou 10 anos.
As imagens eram muito vivas em sua memória. Podia ver seus cachos ruivos sendo balançados pelo vento, que também soprava seu rosto cheio de sardas e cortava seus lábios. Usava uma roupa de frio verde musgo, que ressaltava seus olhos cor de mel. Mariela e seu irmão, Pedro, corriam atrás dos patos, e adoravam o jeito desengonçado destes animais.
Todos os dias, ao meio-dia, sua mãe os chamava para o almoço. Naquele dia, em especial, tinha feito a comida favorita da menina – arroz, feijão e polenta. Só de sentir o cheiro, o estômago já reclamava de fome.
Eram bons tempos. Não conheciam a modernidade, nem tampouco as diferenças entre o campo e a cidade. Mas foi aos 17 anos, quando terminou o ensino médio, que Mariela resolveu se mudar para São Paulo. Escolheu uma cidade do interior que de pequena não tinha nem sequer o nome. Foi estudar Medicina Veterinária.
O maior sonho daquela menina criada na fazenda era cuidar de animais.
No começo, nada foi fácil, mas ela já o previa. Obstáculos não foram criados para serem superados facilmente, era isso o que sua mãe dizia. Achava que tinha que enfrentar de cabeça erguida e aprender com cada passo que desse. E a menina-moça seguia os mesmos passos.
Mariela conseguiu, a muito custo, ingressar na faculdade. Estudara muito, perdera noites e mais noites de sono, pois sabia que a educação que tinha recebido era precária, comparada aos níveis de ensino da cidade.
O primeiro passo tinha sido dado. Agora faltava um emprego que lhe garantisse o sustento. Chegara à parte mais difícil, pois não tinha experiência com nada além de alimentar porcos e correr atrás das aves.
No primeiro dia de busca passou por um restaurante onde uma placa dizia que serviam comida caseira. Resolveu entrar e logo se deparou com uma gente simples – tanto quanto ela própria. Aproximou-se da primeira garçonete que avistou e perguntou se havia alguma chance de trabalho por ali.


[continua...]

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Descobrindo, aos 28 anos, que ser mulher é muito mais do que sempre imaginei. Mãe do Mateus, que me ensina tanto todos os dias sobre como ser alguém melhor e que faz o melhor que pode.

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