Sobre flores e amores
sábado, 13 de junho de 2009
  As flores não nascem no inverno II
Sul do Canadá, primavera de 1984

Como era bonita a paisagem na primavera! As árvores pareciam cada vez mais vivas, o cheiro delicado das flores inundava as praças e parques e os pássaros cantavam como em nenhuma outra época do ano.
Às vezes chovia, é verdade, mas na maior parte do tempo, podia-se ver o sol brilhando e esquentando corpos e corações. Há quem diga que a primavera naquela cidadezinha, trazia consigo uma onda de paixões. E não era mesmo de se duvidar, pois em cada banco de cada uma das várias pracinhas dali, via-se casais se abraçando e sorrindo. Casais de todos os tipos, idades e raças.
Não era diferente com o casal da pequena casa verde da Rua Ronald Reagan*. Ali, a vida a três - mãe, pai e filha - era sempre calma, e podia-se dizer que o amor entre eles era infinito.
Formavam uma família como essas de comercial, feliz, sorridente, que leva a vida sossegadamente, sempre brincando e se divertindo. Era uma felicidade realmente invejável.
Num dos raros dias chuvosos daquela estação, sem ter como sair, a graciosa menina que brincava com um quebra-cabeça, levantou-se:
- Mamãe, vamos cozinhar para o papai? Faz tempo que não fazemos nada especial para ele.
- Boa idéia, querida, vamos sim! Mas o que você pretende fazer? - perguntou a mãe, interessada no que a filha dizia.
- Não sei... Alguma coisa doce, bem gostosa!
- Que tal panquecas de chocolate? Achei uma receita em um livro outro dia, parecia muito apetitosa!
- Perfeito, mamãe! Vamos! - disse a pequena, já segurando a mão da mãe e a puxando pelo corredor.
Chegando na cozinha, a moça começou a procurar o livro em uma das portas do armário ao lado da geladeira. Ao abaixar-se para olhar, sentiu uma leve tontura, mas não deu grande importância, devia ter feito um movimento muito rápido.
Enquanto isso, a garotinha já separava uma vasilha para depositar os ingredientes.
Ao acharem a receita, começaram a misturar o leite, o óleo, o chocolate e a farinha. Esta última, levantou uma nuvem que divertiu mãe e filha, sujou suas roupas e as deixou com as faces pálidas.
Na hora de fritar, a menina se manteve longe, com medo do fogo. Observava a prática de sua mãe, que virava aquela massa jogando-a no ar e fazendo-a voltar à frigideira. Quando crescesse, aprenderia a fazer igual, e seus pais e amigos adorariam suas panquecas.
O calor do fogo e a fumaça, começaram a fazer mal para a moça, seus olhos começaram a piscar lentamente, como se quisessem permanecer abertos, mas não tivessem forças para isto. Ao perceber a fraqueza que a dominava, desligou o fogão rapidamente e pediu para que sua filha chamasse seu marido.
- Querida, o que houve? O que você tem? - desesperou-se o rapaz.
- Não é nada demais, meu bem, foi só uma tontura. Me leve para o sofá, por favor. Minhas pernas não me obedecem.
Ele atendeu ao pedido de sua mulher. Estava visivelmente nervoso.
- Papai, o que a mamãe tem? - a garota tinha lágrimas nos olhos, como se pressentisse algo ruim.
- Não é nada, meu amor, foi só uma tontura. Deve ter sido o calor do fogo... Não fique triste, em alguns minutos ela estará bem! Sente-se no meu colo, vamos ficar aqui cuidando para que passe logo.
A menina se sentou no colo do pai e o abraçou, numa tentativa de se proteger de qualquer mal que pudesse ocorrer.
Mal se passaram dez minutos e a crise realmente tinha acabado, mas as panquecas foram deixadas de lado.
Pouco antes de dormir, já na cama, o rapaz virou-se para a esposa:
- Querida, você sabe o que foi aquilo hoje, não sabe? Temos que voltar ao médico, deve haver algo que possa ser feito! - tinha a voz trêmula e os olhos úmidos.
- Não se preocupe, querido, já estou bem. Olhe só para mim, pareço doente?
O marido olhou fixamente para ela:
- Você é tão mais bonita que qualquer outra mulher, Megan! Não imagina o quanto te amo. Não quero e não posso te perder, não saberia o que fazer sem você! - caiu num pranto cheio de angústia, medo e dor.
Ao ver o estado do marido, Megan o abraçou dizendo que tudo ficaria bem.
A filha, que ouviu a conversa do outro lado da porta, correu para seu quarto, agarrou o travesseiro e chorou silenciosamente.
O dia seguinte amanheceu silencioso, parado. Os pássaros pareciam sentir e respeitar aquela dor e, por isso, calaram-se. Nem mesmo o vento foi capaz de soprar as folhas das árvores.
A casinha verde ficou um pouco mais vazia.

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Descobrindo, aos 28 anos, que ser mulher é muito mais do que sempre imaginei. Mãe do Mateus, que me ensina tanto todos os dias sobre como ser alguém melhor e que faz o melhor que pode.

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