José Carlos de Almeida e Silva
Mário,Querido irmão, sua última carta nos trouxe muita alegria e muito alívio por mostrar como a cidade grande tem te tratado.A mãe ficou muito feliz quando falei que tínhamos recebido carta sua, havia tempos, me perguntava todos os dias se você tinha mandado notícia.Sentimos muito a sua falta, mano. Principalmente eu.Desde que o pai morreu, a mãe tem estado muito triste, às vezes a sinto desistindo da vida.Toda manhã a vejo chorando perto da tal cadeira de balanço que ele adorava, dizendo a ele como sente falta daquela música triste. Esses dias a ouvi dizer que ele não podia tê-la deixado, porque depois de sua partida, ela também havia perdido o filho para a cidade grande. Tenho tentado colocar na cabecinha dela que você foi para São Paulo para nos ajudar, porque aqui nas plantações de café, não teríamos chances de conseguir sequer pagar as contas de água e luz. Mário, a mãe tá com medo que você sofra preconceitos por ser negro, mas eu disse a ela que não importa a cor da sua pele, você sempre vai poder provar a todos o grande cara que é, aqui ou na capital.Sabe, mano, sinto falta das tardes que passávamos juntos, também. Sinto saudade da infância jogando bola de gude e correndo atrás dos porcos da fazendo do patrão.Tenho fé que em breve estaremos juntos de novo, lembrando do pai e daqueles bons tempos em que éramos completamente felizes e sabíamos.Sobre a sua amada, como é bonita! Você é um cabra esperto, logo se vê. Tentei mostrar a foto para a mãe, mas ela já não enxerga quase nada. Disse que a moça era bonita, mas percebi que mal enxergava, pois apertava tanto os olhos para ver, que quase os fechava.E que loucura esse negócio de televisor a cores, não é mesmo? Nós, caipiras, que mal conhecemos o aparelho em preto e branco, ficaríamos maravilhados com essas invenções do povo da cidade.Mário, se lembra da Meire, filha do patrão? Você não imagina como cresceu e está incrivelmente bonita. Aqueles olhos cor de mel, outrora redondos e ingênuos, agora se transformaram em grandes armas de sedução. As sardas sobre o nariz a deixam com um ar travesso que me encanta, e combinam perfeitamente com o sorriso irresistivelmente delicioso que tem. E seus cachos, aqueles que costumávamos dizer que pareciam pequenas molas só para irritá-la, hoje caem suavemente por seus seios que agora estão bem mais fartos do que quando você foi embora, mano. Outro dia, na lavoura de café, ela veio conversar, perguntar de você, saber como a mãe estava, e me lançou uns olhares, aqueles que você bem sabe. Tenho medo do que estou sentindo por ela. Medo pela reação do patrão se alguma coisa acontecesse, entende?Quase me esqueço! Toda vez que saio para a fazenda, para ir trabalhar, encontro com a Janete. Irmão, não sei o que é que você tem, mas a pretinha te ama! Desde que você foi, a expressão dela tem sido mais triste e fechada. Acho que não superou o término do noivado quando você foi para São Paulo.E me diga também, como tem se virado sem mim e sem a mãe? Ela falou para te perguntar sobre sua alimentação, pois você nunca foi lá muito regrado para essas coisas. Disse para se cuidar, porque não te quer doente, e que agora, sem o pai, nós é que temos de cuidar dela, porque logo é ela que nos deixa e precisa ser paparicada antes disso. Te confesso que nessa hora meu peito doeu. Olhei para ela e vi aqueles olhos que nos fitavam quando queríamos aprontar alguma, e os vi cansados, quase se fechando. Os cabelos dela, mano, já se parecem com um monte de algodão, estão cada vez mais branquinhos. E ela também emagreceu um pouco, deve ser a angústia pela ausência tua e do pai.Ficamos curiosos para saber do seu trabalho também, o que você está fazendo?Estamos muito curiosos sobre essa tua nova vida, mano.E a propósito, muito obrigada pelo dinheiro, usamos para pagar o gás e a conta na venda do João.Olhe essa foto da nossa capela que recortei do jornal, eu e a mãe resolvemos mandar para tampar um pedacinho desse buraco que a saudade deve estar te fazendo.Mário, fica com Deus, e nunca se esqueça que estaremos sempre aqui para você.Um beijo meu e outro da mãe pretinha,ZecaMarcadores: Mário Antônio de Almeida e Silva